quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A quem serve o machismo no movimento negro?

Eu não compactuo com esse jogo sujo
Grito mais alto ainda e denuncio esse mundo imundo
A minha voz transcende a minha envergadura
Conhece a carne fraca? eu sou do tipo carne dura!
(Ellen Oléria)

Eu sou militante do PSTU, do Quilombo Raça e Classe e também sou do DCE da USP. 
Construo essas organizações por acreditar nos seus programas e disputo internamente dentro dessas organizações a questão racial, pois acredito que só com um programa socialista a população negra será liberta. 

Ser mulher negra em qualquer lugar é muito difícil. Seja no movimento feminista, por na maioria das vezes invisibilizarem as especificidades que nós mulheres negras temos. Infelizmente no movimento negro também não é muito diferente, diferente do movimento feminista, o que nos atinge no movimento negro é o machismo, e esse machismo vem de homens negros, que deveriam nos fortalecer e entender o quanto para nós é difícil, muitas vezes tentam nos silenciar, são machistas, e vindo destes companheiros isso dói mais!

Eu tô escrevendo esse texto porque passei por uma situação de machismo no movimento negro há alguns dias. 

Não só de machismo, mas também de questionamento da minha negritude. 

Quando uma mulher negra toma frente de alguma atividade, de algum ato, de qualquer coisa, por menor que seja, ela está ultrapassando a opressão, está ocupando um lugar que durante toda a nossa historia, nos foi negado, e sempre ouvimos que nós deveríamos estar lá. Então, quando uma mulher negra sai do lugar onde historicamente foi colocada, é uma vitória! 

A derrota se dá quando tentam nos dizer que lá não é o nosso lugar, a derrota de maneira mais horrível quando é um militante do movimento negro que diz isso! 

Isso aconteceu comigo em uma atividade que encaminhou o I Seminário de Negros e Negras da USP. Quando um companheiro do Coletivo Negro da USP Capital, me disse que não era legitimo que eu encaminhasse partir de uma atividade construída pelo DCE o Seminário, porque eu era militante do PSTU e do DCE, logo não era negra o suficiente para isso, e estaria servindo apenas de porta voz das organizações. 

Eu insisti em encaminhar e mostrei meu desacordo, visto que o coletivo de São Paulo era o único a ter desacordo. O NCN-SP tinha acordo e Coletivo Negro USP Ribeirão Preto também tinham acordo. 

Durante a mesa, um dos companheiros do Coletivo, saiu de seu lugar no plenário e veio até onde eu estava (eu estava mediando a mesa) e disse: muito cuidado com o que você vai encaminhar aqui. você está começando mal o movimento negro na usp. 

Eu disse: vou encaminhar! 

Fui intimidada durante toda a atividade, com olhares intimidadores dos companheiros do coletivo. 
Todos os convidados da mesa sentiram o quanto eu estava insegura e angustiada com aquela atividade. 
Ao final, chorei muito, mas encaminhei o seminário.

Pergunto: Apesar de termos encaminhado um fórum importante como esse, em uma universidade racista como é a USP, é sim uma grande vitória, mas a tentativa de intimidação e ameaça por parte de um companheiro negro e militante do movimento, a uma mulher negra, fortalece a quem? 

Nós, mulheres negras, quando tomamos frente de algo, ultrapassamos milhares de barreiras, e não podemos ser paradas pelo machismo que é latente dentro do movimento negro. 

Por ser mulher, os espaços políticos, são negados à nós! E os companheiros sabem disso,
Por ser negra, isso se torna ainda pior em todos os sentidos! 

O movimento negro é hegemonicamente masculino, apesar de existirem mulheres que tomam frente de espaços, ainda somos poucas. Quando avançamos não pode ser que companheiros que deveriam estar do nosso lado na luta, tentem nos calar ou invisibilizar, ou dizer que somos menos negras por construirmos organizações das quais estes tenham desacordo. 

Tenho certeza absoluta que este tipo de situação não aconteceu só comigo, mas que acontece com muitas mulheres negras, na verdade práticas como essa são bem comuns no movimento negro, e precisam ser combatidas e educadas!

Combater e denunciar o machismo em momento algum pode ser visto como uma maneira de dividir o movimento negro. O que divide o movimento é o machismo! O que divide o movimento é deslegitimar a negritude de alguém, e desconsiderar toda a luta que passamos para nos declaramos e nos entendermos como o tal. É isso que divide o movimento!

É intolerável que atitudes como essa sejam naturalizadas, ou que por bancarmos essa discussão sejamos vistas como inimigas. É ainda mais vitorioso quando uma companheira negra banca fazer essa disputa dentro do movimento.

Quando uma preta abre a boca, ela mais uma vez levanta sua cabeça da senzala e parte para a luta, assim como Dandara fazia em Palmares. 

Somos mulheres negras, sujeitas de nossa história e luta! A libertação e o avanço de uma mulher negra é também do movimento negro e do povo negro de conjunto! 

A minha voz, transcende a minha envergadura. Conhece a carne fraca? Eu sou do tipo carne dura!

Chega de machismo no movimento negro! 
Quando uma mulher negra avança, nenhum homem retrocede! 

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