terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O corpo é meu e não de quem quiser!

Queria que todas as mulheres negras ou não lessem esse texto.

Hoje a noite recebi um inbox no facebook da Melissa Caroline. Mulher jovem e negra. Moradora aqui do Cantinho do Céu, na Zona Sul de São Paulo.

Na conversa a Melissa me pediu que eu publicasse uma situação absurda que aconteceu com ela enquanto voltava do trabalho para casa dentro do ônibus.

"Laura, conheço seu trabalho, sei que tem um blog, conheço os assuntos e queria pudesse compartilhar uma triste e vergonha e caso lhe seja de interesse quero pedir que publique isto, pois embora, seja algo que me traumatizou, peço opiniões e ajuda pois minha mente está revirada de pensamentos...
Bom eu sou uma mulher negra, e todos os dias acordo 4:20 da manhã para ir trabalhar, e meu trabalho é algo pesado mais não reclamo pois me sinto igual a todos no meu serviço, sou tratada como mulher e homem, e isto me deixa realmente exausta, e nesta terça feira como de costume, peguei o ônibus de destino cantinho do céu, para a minha casa, e como estava extremamente exausta, dormi no banco do ônibus, ao estar chegando perto de meu bairro, acordo e reparo que um homem estava com a mão dentro da minha blusa, e assim que vejo isso, levei um susto, não tive reação, comecei a chorar dentro do ônibus, pois algumas pessoas viram e ignoraram o fato, me senti abusada, me senti usada, mas também senti um ódio profundo, e decidi descer ao mesmo ponto que ele e fazer algo, claro que com a raiva que estava não me segurei, e o ataquei no meu da rua, bati, e ofendi aquele homem, embora não conhecesse aquele homem me senti ferida, com todo aquele ódio em cima de mim, me sentia abusada por alguém que se quer conhecia, ou tinha qualquer relação, e mesmo cometendo este ato que não era a melhor opção, agredi aquele homem, mas fui separada por homens que me seguraram e defenderam o cara que cometeu está atrocidade, pois ele estava fingindo estar bêbado e fugiu, e até agora me sinto abusada, e não sei como tratar essa situação."

Quantas mulheres que estão lendo esse texto já passaram por esse tipo de situação algum dia de nossas vidas?
Ja ficou natural que a gente se veja, lembre, reviva uma situação de abuso e invasão dos nossos corpos. Isso ja ficou tão naturalizado, que não aceitar isso, gritar, bater, ou apenas questionar o abuso estamos sofrendo  é que se torna escandaloso. 

Desde pequenas ensinas a aceitar que nossos corpos podem ser invadidos, e que isso  vai acontecer se a gente deixar. E se acontecer a culpa é nossa, e  nossa!

O corpo das mulheres negras sempre foi hiper sexualizado. Somos vistas apenas como objetos, como coisas exóticas, prontas para serem estudas, tocadas, prontas para saciar o desejo dos homens. Mulheres negras são as que mais sofrem violência sexual e agressão física. Mulheres negras são as que mais carregam traumas psicológicos por isso. 
Somos tratadas como coisas. Coisas. Não somos coisas!

O que passa na cabeça de um homem para por a mão dentro da nossa blusa e invadir o nosso corpo, como se fossemos apenas objetos de loja?

Nos estamos sujeitas a esse tipo de violência cotidianamente, nas ruas, no nosso trabalho ou mesmo no transporte. Perdi as contas de quantas amigas que pensam até  em pedir demissão pois não aguentam mais o assedio diário que sofrem no trabalho. Que não aguentam mais o assedio dos colegas de sala de aula...

Podem pensar que esse texto é mais um texto de uma feminista que gosta de gritar e dizer que seu corpo não e objeto.

Eu queria que todos os homens lessem esse texto também.
Quero que vocês entendam que quando falamos sobre feminismo, sobre o corpo da mulher, não pode ser um debate formal.
Sinto que grande parte dos homens que dizem se indignar com estupros, assédios e mais um tanto de imundícies que rodeiam a vida das mulheres, na maioria das vezes levam essa discussão de maneira formal, e uma hora ou outra acabam entrando para a lista de escrotos que infelizmente passam por nossas vidas deixando marcas.

Queremos que vocês entendam que quando nos beijam ou nos tocam sem nosso consentimento, vocês nos matam um pouco mais! Voces nos invadem!

Não temos mais sequer o direito de ficar cansadas, de tirar  5 minutos de sono, pois nos vemos obrigadas a estarmos ligadas incessantemente, sem parar, para garantir que não seremos invadidas ou abusadas. E quando ousamos revidar, somos impedidas, somos ridicularizadas, somos culpabilizadas. Não deveria ser assim! O nosso corpo não e um objeto!

A culpa não é nossa! A culpa não é sua mulher!
Nosso corpo não esta em uma bandeja, não esta em uma prateleira para ser visto, tocado ou analisado como um objeto! Não somos coisas!
Nosso corpo é nosso! E quem deve decidir quando ele pode ser tocado somos nos! Ninguem tem o direito de nos invadir, de nos agredir!

Expor uma situação não é fácil para nenhuma mulher, e expor algo como isso passa por uma situação tão desesperadora, que as vezes a unica saída que temos é de publicizar e assim dar o nosso grito de jeito que ele possa ser ouvido em outros lugares, talvez que ele seja ouvido no mundo.

O corpo  é  nosso! Chega de violência








quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A quem serve o machismo no movimento negro?

Eu não compactuo com esse jogo sujo
Grito mais alto ainda e denuncio esse mundo imundo
A minha voz transcende a minha envergadura
Conhece a carne fraca? eu sou do tipo carne dura!
(Ellen Oléria)

Eu sou militante do PSTU, do Quilombo Raça e Classe e também sou do DCE da USP. 
Construo essas organizações por acreditar nos seus programas e disputo internamente dentro dessas organizações a questão racial, pois acredito que só com um programa socialista a população negra será liberta. 

Ser mulher negra em qualquer lugar é muito difícil. Seja no movimento feminista, por na maioria das vezes invisibilizarem as especificidades que nós mulheres negras temos. Infelizmente no movimento negro também não é muito diferente, diferente do movimento feminista, o que nos atinge no movimento negro é o machismo, e esse machismo vem de homens negros, que deveriam nos fortalecer e entender o quanto para nós é difícil, muitas vezes tentam nos silenciar, são machistas, e vindo destes companheiros isso dói mais!

Eu tô escrevendo esse texto porque passei por uma situação de machismo no movimento negro há alguns dias. 

Não só de machismo, mas também de questionamento da minha negritude. 

Quando uma mulher negra toma frente de alguma atividade, de algum ato, de qualquer coisa, por menor que seja, ela está ultrapassando a opressão, está ocupando um lugar que durante toda a nossa historia, nos foi negado, e sempre ouvimos que nós deveríamos estar lá. Então, quando uma mulher negra sai do lugar onde historicamente foi colocada, é uma vitória! 

A derrota se dá quando tentam nos dizer que lá não é o nosso lugar, a derrota de maneira mais horrível quando é um militante do movimento negro que diz isso! 

Isso aconteceu comigo em uma atividade que encaminhou o I Seminário de Negros e Negras da USP. Quando um companheiro do Coletivo Negro da USP Capital, me disse que não era legitimo que eu encaminhasse partir de uma atividade construída pelo DCE o Seminário, porque eu era militante do PSTU e do DCE, logo não era negra o suficiente para isso, e estaria servindo apenas de porta voz das organizações. 

Eu insisti em encaminhar e mostrei meu desacordo, visto que o coletivo de São Paulo era o único a ter desacordo. O NCN-SP tinha acordo e Coletivo Negro USP Ribeirão Preto também tinham acordo. 

Durante a mesa, um dos companheiros do Coletivo, saiu de seu lugar no plenário e veio até onde eu estava (eu estava mediando a mesa) e disse: muito cuidado com o que você vai encaminhar aqui. você está começando mal o movimento negro na usp. 

Eu disse: vou encaminhar! 

Fui intimidada durante toda a atividade, com olhares intimidadores dos companheiros do coletivo. 
Todos os convidados da mesa sentiram o quanto eu estava insegura e angustiada com aquela atividade. 
Ao final, chorei muito, mas encaminhei o seminário.

Pergunto: Apesar de termos encaminhado um fórum importante como esse, em uma universidade racista como é a USP, é sim uma grande vitória, mas a tentativa de intimidação e ameaça por parte de um companheiro negro e militante do movimento, a uma mulher negra, fortalece a quem? 

Nós, mulheres negras, quando tomamos frente de algo, ultrapassamos milhares de barreiras, e não podemos ser paradas pelo machismo que é latente dentro do movimento negro. 

Por ser mulher, os espaços políticos, são negados à nós! E os companheiros sabem disso,
Por ser negra, isso se torna ainda pior em todos os sentidos! 

O movimento negro é hegemonicamente masculino, apesar de existirem mulheres que tomam frente de espaços, ainda somos poucas. Quando avançamos não pode ser que companheiros que deveriam estar do nosso lado na luta, tentem nos calar ou invisibilizar, ou dizer que somos menos negras por construirmos organizações das quais estes tenham desacordo. 

Tenho certeza absoluta que este tipo de situação não aconteceu só comigo, mas que acontece com muitas mulheres negras, na verdade práticas como essa são bem comuns no movimento negro, e precisam ser combatidas e educadas!

Combater e denunciar o machismo em momento algum pode ser visto como uma maneira de dividir o movimento negro. O que divide o movimento é o machismo! O que divide o movimento é deslegitimar a negritude de alguém, e desconsiderar toda a luta que passamos para nos declaramos e nos entendermos como o tal. É isso que divide o movimento!

É intolerável que atitudes como essa sejam naturalizadas, ou que por bancarmos essa discussão sejamos vistas como inimigas. É ainda mais vitorioso quando uma companheira negra banca fazer essa disputa dentro do movimento.

Quando uma preta abre a boca, ela mais uma vez levanta sua cabeça da senzala e parte para a luta, assim como Dandara fazia em Palmares. 

Somos mulheres negras, sujeitas de nossa história e luta! A libertação e o avanço de uma mulher negra é também do movimento negro e do povo negro de conjunto! 

A minha voz, transcende a minha envergadura. Conhece a carne fraca? Eu sou do tipo carne dura!

Chega de machismo no movimento negro! 
Quando uma mulher negra avança, nenhum homem retrocede!