sábado, 12 de julho de 2014

Vagão exclusivo para mulheres: uma medida necessária, principalmente para nós pretas!

Na última semana uma grande polemica explodiu no meio dos setores feministas. A criação de um vagão exclusivo para mulheres nos metrôs e trens de São Paulo foi aprovado pelos deputados e agora segue para a aprovação ou veto do governador Geraldo Alckimin.

Eu enquanto mulher preta, estudante e moradora do Grajaú que fica no extremo sul de São Paulo, que passo no minimo 2h dentro de um trem e metrô diariamente, me senti na obrigação de dar uma contribuição para o debate, além de também mostrar a minha opinião sobre o projeto que atinge diretamente a vida de nós mulheres que utilizamos o transporte público.

Primeiro acho importante ressaltar que o projeto tem inúmeras insuficiências, desde a super lotação que certamente vai acontecer nos horários de pico, até o problema de a maioria das mulheres continuarem usando os vagões comuns e assim continuarem sofrendo assédios, e que percorre também para as trans que podem ser barradas de usar o vagão e muitos outros problemas, que eu poderia colocar aqui e tomar todos os parágrafos desse texto.

Ainda diante de todos esses inúmeros problemas acredito que o vagão exclusivo seja uma medida muito importante no combate ao assédio que sofremos no cotidiano dentro do transporte lotado, é uma medida desesperada diante do que todas passamos. Na minha opinião é uma medida de proteção para as mulheres trabalhadoras.

Mas existem muitas divergências dentro do movimento feminista, muitos questionamentos.
Existem diversos grupos que acham que o vagão é segregacionista, culpabilizador da vitima e ainda há aqueles que comparam o vagão ao apartheid.

Pois bem, vamos ao debate! (por mais duro e polemico que ele venha a ser.)

É verdade que os vagões não resolvem o problema do machismo, é verdade que é muito ruim que nós mulheres, tenhamos que nos ver obrigadas a deixar de frequentar os vagões mistos para que assim deixemos de ser violentadas, assediadas, estupradas dentro dos trens, mas é verdade também que o estupro, o assédio e a violência são coisas que quando acontecem marcam nossa vida da maneira mais destruidora possível.  Nos sentimos culpadas, nos sentimos sujas e pior que isso, nos sentimos impotentes.

As principais vitimas da violência machista são as negras. A violência que nos rodeia desde a escravidão também nos rodeia nos nossos bairros, nas nossas casas e nos transporte.
Esse é um primeiro ponto e que considero um dos mais essenciais nessa discussão. Afinal, quem são as mulheres que utilizam o transporte? São as mulheres negras e trabalhadoras!
São essas as mulheres que levantam cedo, pegam um trem lotado aqui no Grajaú e descem em Pinheiros, em Osasco, em tantas estações... São essas as mulheres que passam 1, 2, 3h dentro de um vagão sendo assediadas, violentadas durante todo esse tempo e não sabem o que fazer. São essas as mulheres que durante toda a vida são ensinadas a se calar diante da violência e que ficam na maioria das vezes caladas diante do esperma na perna dentro do vagão lotado.
É necessário mais uma vez chamar a atenção para as especifidades de nós mulheres pretas, periféricas. Para nós mulheres como um todo que utilizamos o transporte publico e que estamos totalmente sujeitas a sofrer com toda essa brutalidade.

Conversei com minha mãe essa semana e perguntei o que ela acha do vagão. Ela é Enfermeira no Hospital Geral de Carapicuíba e pega o trem todo dia as 5h da manhã, trem lotado que sai aqui da Estação Grajaú. Ela me disse o seguinte: "bom, suficiente não é. mas pelo menos estaremos protegidas né?! Os caras não querem nem deixar a gente entrar no trem e quando entramos elas ainda ficam se passando na gente, se esfregando. Já perdi as contas de quantas vezes isso já aconteceu comigo quando vou pra Carapicuíba."

Uma pesquisa feita essa semana revelou que 73% da população paulistana é favorável a criação dos vagões exclusivos em São Paulo. Não acredito que essas respostas sejam aleatórias e sim respostas de quem está cansada de ser violentada dentro dos transportes públicos.
Acho indispensável que o movimento feminista como um todo escute a voz das mulheres que utilizam os trens e o metrô em São Paulo. Acredito que uma mudança na sociedade e a destruição do patriarcado e do machismo só é possível principalmente se estivermos em unidade com as mulheres que sabem o quanto o capitalismo fere suas vidas todos os dias, e para isso companheiras, é necessário que cada uma de nós que somos vanguarda nas lutas comecemos a ouvir a voz das mulheres que mais sofrem com a opressão.

Sobre a culpabilização que nós mulheres continuaremos sofrendo por usar os vagões mistos devido a super lotação no exclusivo: companheiras, nada de novo! Continuaremos ouvindo que somos culpadas, que se estivéssemos no nosso vagão não estaríamos sendo assediadas e posso dizer o mesmo sobre as companheiras trans. Diante da culpabilização que continuaremos sofrendo, só há uma saída, e essa saída é a luta! A luta que já estamos acostumadas a bancar contra o machismo e contra o transporte caótico. A tarefa que é colocada pra nós feministas, negras e ativistas é de chegar nestas mulheres e trans e fortalecer a cada uma nessa luta! Não é fácil,  não é simples, mas com muita luta e com esforço de atingir a cada uma delas com nossos panfletos, nossas camisas, nossos atos, nossa luta, certamente as fortalecerão!

Sobre o apartheid: companheiras, não devemos usar de um termo como este e desconsiderar toda a carga histórica que ele carrega.
O Apartheid foi um regime que criminalizava, inferiorizava, animalizava os negros e assim limitava o espaço onde os negros e negras poderiam estar, assim como acontece hoje com o povo palestino que é massacrado por Israel.
Os vagões em momento nenhum criminalizam, inferiorizam, animalizam as mulheres, nem muito menos dizem que elas não podem utilizar os outros vagões.

Considero os vagões uma vitória muito significativa para as mulheres trabalhadoras e negras, ainda que com muitas limitações. Mesmo com tantas deficiências, para as trabalhadoras, para as negras periféricas fará toda a diferença do mundo algumas horas do dia sem assédio.
Precisamos acima de tudo ter plena consciência que o machismo, o racismo, a LGBTfombia, só serão destruídos com uma outra sociedade! Só serão destruídas com uma revolução e na minha opinião com o socialismo!
Precisamos continuar pressionando o governador Alckimin por mais investimento no transporte!
Queremos 2% do PIB para o transporte imediatamente! Queremos mais contratações no metrô, queremos mais vagões! Se somos 65% da população que usa o metrô, queremos um numero de vagões proporcional!
Continuaremos em campanhas contra o assédio, com alfinetes, com panfletos, com atos, com nossas bandeiras feministas e negras!

A luta continua, companheiras!
Em defesa das mulheres negras e trabalhadoras: EU QUERO O VAGÃO EXCLUSIVO SIM!





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